Os mais variados ingredientes na construção de um sonho: Perfil com uma mulher servente de obras.

Mal começou o dia e eu já estou indo ao seu encontro. Penso nela de uma forma boa e ao mesmo tempo ruim porque neste dia ela me fez acordar cedo. No ônibus percebo que muitas outras pessoas acordaram cedo naquele dia. O semblante de sono de uns e a disposição de outros me consola a ponto de não ser mais importante, o quanto mais curta havia sido minha noite, afinal eu iria conhece-la pessoalmente. Pelo caminho vou pensando nela. Como será que ela é? Dúvida que cada um teria ao saber que iria conhece-la após ouvir uma série de pessoas relatar sua história

Chego ao meu destino. Um condomínio no bairro Sion onde a avistei logo na portaria. Seu rosto alegre disse bom dia e sua calma voz me deu as boas vindas. Com simpatia apresentou-me todas as outras pessoas ali presentes e em seguida todos os cômodos daquele prédio. Do térreo á cobertura, ela conhecida cada um dos doze cômodos de cada um dos seis andares daquele prédio. Falava-me com tanto orgulho de cada cômodo como se cada parte ali fosse uma parte de seu próprio corpo.



Seu nome? Amanda Patrícia Silva. Aos seus trinta e dois anos se sentia realizada e feliz. Disse-me que ali a chamavam de princesa e que de fato, sentia-se estar em seu palácio, não fosse pela diferença de trabalhar juntamente aos seus “súditos”. Aquele “palácio” como ela mesma se referia era de fato uma parte sua, de seu trabalho, de sua vida. A “cada “cômodo em que passávamos ela dizia “eu ajudei a fazer isso”,” aquilo foi construído por mim”, “eu ergui essas paredes”.

Fazia sete meses que Amanda havia se tornado uma servente de obras. Segundo ela, esse era um sonho antigo que só agora tivera a oportunidade de realizar. Desde de criança ela sonhava com o dia em que poderia seguir os passos do pai em um canteiro de obras. Havia aprendido a admirar a profissão através dele que as vezes a levava para sua jornada de trabalho. Amanda conta que aquele ambiente a fascinava. Ali, areias, britas, martelos e pregos não construíam só massas paredes e prédios; construíam também o sonho que ela iria levar pelo resto da sua vida.


Um sonho que demorou a se tornar realidade. Impedida pelo pai e depois pelo marido, Amanda Patrícia Silva teve que seguir outras profissões que segundo eles e a maior parte da sociedade, eram profissões mais apropriadas para as mulheres. Em seus quinze anos de vida profissional, Amanda já foi doméstica, babá, cuidadora de idosos e secretária. Porém nesses quinze anos não teve um só dia, segundo ela, em que seu sonho antigo não a assombrasse e a fizesse pensar que estava no lugar errado.

O tempo se passou, mas o sonho não. A sociedade mudou, e a menina que sonhava em trabalhar no canteiro de obras cresceu e se tornou forte. Forte o suficiente para enfrentar seus medos e principalmente, o preconceito dos outros. Decidiu que não ia mais ver o tempo passar deixando de lado seu maior sonho por causa dos outros. Em dezembro do ano de dois mil e oito, Amanda tomou coragem e foi à uma obra perto da casa dela se inscrever para trabalhar.


Ela conta, que alguns riam de sua atitude e outros acreditavam que ela não seria capaz de suportar o dia a dia de trabalho em um canteiro de obras. Amanda então contou seu sonho ao encarregado da obra e propôs a ele deixa-la trabalhar um mês para fazer um teste. Ele então resolveu ajuda-la e deu a ela a chance de provar por um mês que era capaz, embora pensasse que esse tempo seria mais que suficiente para que ela desistisse.

Passaram se um mês, dois, sete. E hoje ela me recebeu em um canteiro de obras, o terceiro em que ela trabalha desde que resolveu ir em busca do emprego que ela sempre quis ter. E agora ela está, como ela mesma afirma, feliz e realizada a concretizar o seu sonho dia após dia, tijolo após tijolo, obra após obra.

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2 comentários:

  1. Ei moça,
    não sei direito como caí aqui... e como tbém adoro essas prosas do cotidiano, acabei parando e lendo...
    muuito boa a história e a forma que você a conta...
    Um grande abraço e nos vemos por aí.
    Aline

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  2. Que bom que gostou da história Aline!

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